domingo, junho 08, 2008

O dia em que o sol sorriu

Dez horas e trinta e sete minutos. Ele acorda. Aquele parecia ser mais um dia qualquer numa semana igualmente qualquer. Ainda sonolento e sentado em sua cama, o rapaz de cabelos cor de mel se pergunta – Eu sonhei hoje? – Entretanto, não consegue obter resposta alguma. Seus olhos volvem para a janela fechada e sem cortina, o que lhe permite examinar detidamente através dos vidros que o dia está com um brilho diferente. Vagarosamente, o rapaz de cueca samba-canção levanta-se e caminha em direção ao quintal. Observa o céu azul, sem nenhuma nuvem, iluminado por um sol carismático. O sol, o céu lhe provocavam uma estranha tristeza. – Por que não acordei mais cedo?
Trim-trim-trim.
Correu para atender o telefone e, dessa vez, era o tal telefonema que estava esperando há semanas. Uma oportunidade! Nada poderia dar errado. Seria um fiasco fracassar pela nona vez. Confirma o encontro – Sim, perfeito, às dezesseis horas em frente ao teatro - Ele queria planejar tudo, mas não era fácil prever a reação de Ana.
O latido incessante das cachorras da casa ao lado, o funk no último volume tocando no bar da frente, os fiscais da vida alheia: nada, nada disso atrapalharia o estado de felicidade daquele jovem estudante de filosofia.
Quinze horas e cinqüenta e cinco minutos. Preso no engarrafamento. O surgimento das especulações foi imediato – Deve ter sido acidente com moto; é a obra que o governo está fazendo; blá-blá-blá...Ele detestava ouvir esses tipos de comentários. É incrível como o ambiente de ônibus aguça alguns assuntos descartáveis, imbecis, ele pensava. Todos os passageiros falando ao mesmo tempo – Vou chegar atrasado ao trabalho; gostou do final da novela?; meu filho está me esperando na escola; o engarrafamento é culpa do sistema político em que vivemos; blá-blá-blá.
Aqueles comentários conseguiram irritar o rapaz. Ele abre a janela e depara-se novamente com aquele sol sorridente, um sol filosófico. As vozes dos passageiros transformaram-se em apenas vultos para os ouvidos do rapaz. Boceja, relaxa.
Algo muda quando Ana está presente. Uma timidez profunda o invade. Não conseguia manter um comportamento natural – ela é sublime,ele pensa – Tampouco sabia se ela percebia tal mudança. Lá estava ela. Linda. Vestido vermelho. Sapato preto. A intelectualidade de ambos quase sempre atrapalhava. Literatura, filosofia, política, economia marcavam presença em todas as conversas. Ana, no fundo, sabia que aquelas conversas eram um pretexto...Divertia-se com a falta de jeito do rapaz. Ele aproxima-se de Ana, não diz nada. Segura a mão esquerda da moça. Ela igualmente calada. Tímida. Mãos molhadas de suor. Ana prepara-se, desajeitada, para romper o silêncio – estava lendo Foucault – Xiiiiiii – o rapaz pede carinhosamente que ela não diga nada. Não precisava. Eles se aproximam lentamente e Biiiiiiiiiiiiii-biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.
Buzina de ônibus não tem um som muito agradável. Ele acorda assustado. Ainda no engarrafamento, sentado dentro daquela merda de ônibus e mais blá-blá-blá.- batida de carro, só podia ser mulher; tão nova e tão bonita; Imagina a mãe quando souber-. Comentários imbecis. Impaciente, olha o relógio. Dezesseis horas e trinta e três minutos. O celular da Ana estava desligado.Um vendedor de balas entra no ônibus – um por cinqüenta centavos e 3 por "dois real" – não entendeu a promoção ou estava impaciente demais para fazer contas.- o que houve ali na rua?- O motorista perguntou ao vendedor. -Foi uma batida, uma jovem morreu.-o vendedor respondeu.
No dia seguinte, o jovem estudante de filosofia chegou à capela Nossa Senhora das Moças, segurou as mãos de Ana. Não disse nada, simplesmente a beijou pela primeira e última vez.